YEAR 2015 N.º 3

ISSN 2182-9845

EDITORIAL

Maria Regina Redinha

Nem tudo o que parece é, nem tudo o que é aparece

Respondendo ao lisonjeiro convite para a escrita do editorial de mais um número da RED, uma lustrosa revista on-line da FDUP que cumpriu já o seu segundo ano de ininterrupta edição quadrimestral, não posso deixar de a tomar como pretexto para uma breve reflexão sobre os passos corridos e a correr no novo trilho das publicações jurídicas electrónicas e sobre a uniformidade dos modelos de consideração qualitativa e quantitativa da produção bibliográfica académica. 

A RED, releve-se-me a imodéstia que enquanto autora e conselheira redactorial deveria arredar-me de considerações adjectivas, afirmou-se como uma publicação periódica de referência na literatura jurídica nacional, não obstante a sua edição geograficamente descentralizada, o pioneirismo na introdução do sistema de revisão por pares (peer review), a summa internacionalização que o seu conteúdo congrega e, sobretudo, a publicação exclusiva sob o formato digital.

A RED foi, assim, uma revista de um futuro ainda não totalmente feito presente e daí a sua (in)grata posição de fronteira entre a tradição e inovação.

O universo jurídico académico é, por definição e função, conservador. Regular, regulamentar ou decidir apelam mais ao "dado" do que ao "transformado". No entanto, o novo medium de publicação e de leitura, os novos métodos de urdir o texto jurídico e as novas interacções temáticas e pessoais que se lhe associam foram acolhidas sem reserva ou sem entender o desprendimento do papel como perda de gravitas e de rigor doutrinário ou comentarista, revelando, deste modo, que o Direito não é tão avesso à novidade, como, frequentemente, a opinião detractora de quem acredita no monismo do modelo universitário e científico quer difundir.

Na realidade, o Direito ou, como alguns preferem, a Ciência Jurídica não constitui um corpo institucional e corporativo de carácter anacrónico e reactivo a qualquer reforma ou hetero-conformação estatutária. Bem evidente está o mal fundado desta asserção em corporizações como a RED ou na produção de materiais didácticos on-line de elevada qualidade e no recurso extensivo ao património jurídico que a revista tem veiculado.

Esta realidade, porém, não invalida nem neutraliza a especificidade deste ramo do conhecimento e, por consequência, a necessidade de um tratamento que não a dilua e destrua a sua valia dogmática, formativa, cultural e até económica - dimensão que hoje não é despicienda, devido à sua relativa exportabilidade, mormente para os países de fala oficial ou erudita portuguesa, sem nos fazer esquecer ser o Direito um fenómeno social radicado no tempo e confinado a um  espaço geográfico determinado.

Mais uma vez podemos corroborar manifestações destas características na RED e no "diálogo" comparatístico e internacional que encetou.

Um novo modo de fazer as coisas requer reconhecimento da novidade e exige que velhos critérios se façam adequados à sua medida. Neste contexto, importar, acriticamente, instrumentos afeiçoados às ciências exactas e tecnológicas é negar identidade a um conhecimento que tem pergaminhos históricos muito mais antigos e consolidados. Por exemplo, o tempo médio de elaboração de um artigo jurídico não é comparável ao tempo médio da maior parte dos artigos científicos em sentido próprio, o que se reflecte, forçosamente, nos índices bibliométricos, para referirmos apenas uma hipótese incontroversa. Se no primeiro caso temos uma escrita de artesania, no segundo, há uma narrativa funcional. Daí que nem o mais prolífico jurista possa apresentar uma fracção significativa das centenas de publicações que preenchem os curricula técnico-científicos.

Outra singularidade que urge tomar em urgente consideração para que se evite a colonização do Direito, ameaça tornada cada vez mais real pela omnipresença da novilíngua da Economia, é a indexação das revistas jurídicas segundo factores que exprimam a sua verdadeira influência no respectivo campo de actuação, com a tomada em conto e em conta das citações jurisprudenciais. Afinal, que indicador mais rigoroso do que a chamada do estudo académico ao exame do caso concreto? Só assim se pode distinguir o ser da sua aparência, a especulação da concretização.

Muitas outras questões poderiam e deveriam ser convocadas em defesa da individualidade da produção literária jurídica e das publicações que, como a RED, lhe dão generoso acolhimento, nomeadamente, a desvalorização do trabalho intelectual, as dificuldades de um sistema de revisão por pares numa exígua comunidade com um funcionamento entrópico ou as limitações derivadas do âmbito restrito da língua portuguesa, mas bastam as suas referências cruciais expressas para que se pondere a determinação da RED no recebimento de obras que não sejam simples escritos na volubilidade do espaço digital, mas frutos do "ofício" de escrever, que menciona Antonio Muñoz Molina, e da aprendizagem que ele pressupõe.