YEAR 2014 N.º 2

ISSN 2182-9845

EDITORIAL

Helena Mota

A responsabilidade de escrever um editorial neste número da RED, um ano volvido sobre o seu lançamento, é naturalmente acrescida mas, de modo igual, gratificante.

Na sua apresentação, em Junho de 2013, a RED definiu-se como uma publicação de divulgação de estudos jurídicos nas áreas das ciências jurídico-empresariais e jurídico-económicas.

Poder-se-á estranhar, por isso, a inclusão neste número de textos que tratam de matérias com pendor marcadamente jurídico-civilista e jurídico-familiar. Significará isto, na perspectiva do leitor, um desvio à sua linha editorial? Assumirá a RED que, afinal, nem tudo o que importa “it´s economics”? Ou, pelo contrário, concede-se que nenhuma matéria jurídica é, hoje, e em especial et pour cause em tempos de escassez, destituída de impacte económico?

Para além disso, a RED quis-se com vocação internacional, privilegiando e acolhendo os trabalhos de direito comparado e europeu, assim como os contributos dos diferentes países lusófonos.

Fala-se muito, e nas mais diversas áreas do saber e do conhecimento, em “multidisciplinaridade”. E em “internacionalização”. São palavras e conceitos que por se repetirem tantas e tantas vezes se transformaram em chavões vazios de sentido, quase detestáveis por revelarem pouco mais do que uma tendência, uma vã e vácua moda.

No entanto, sem medo destas degenerescências e concentrando-se no seu sentido original, a RED vem assumindo com proveito um desígnio de diversidade e intercâmbio material e geográfico criando valor científico acrescentado – e aqui se vê como a mais insuspeita das jus-mercantilistas também se tenta no jargão económico…

Numa recente experiência docente em Angola, constatei no terreno a importância e o reconhecimento do direito português no mundo lusófono, em particular nos PALOP. É, hoje, a par da língua, o legado mais importante que deixámos no antigo Ultramar português. O direito angolano legislado, especialmente o Direito Civil, é  aquele que se aplicava antes da descolonização. Mesmo o novo Código da Família angolano, de 1988, é claramente inspirado no Livro IV do Código Civil português, sem prejuízo de soluções diferentes e inovadoras, mais adequadas à actual realidade angolana e de inegável interesse para os estudiosos da matéria.

Os juristas portugueses têm assim uma oportunidade única de desempenharem um importante papel no ensino do direito, no auxílio ao desenvolvimento da jurisprudência e da doutrina jurídica angolanas. É a tal “janela de oportunidade”- outro chavão - de que se fala a propósito da vocação atlântica de Portugal, da sua responsabilidade histórica, do posicionamento geo-estratégico, do mar, de tantas outras coisas, menos da mais óbvia: o direito português.

Na edição de 3 de Junho do The Guardian podia-se ler um artigo intitulado “Portugal indebted to Angola after economic reversal of fortune” no qual a jornalista relatava alguns aspectos da evolução das relações entre os dois países, sublinhando a inversão dos papéis, agora que Portugal atravessava uma profunda crise económica em contraste com o rápido crescimento da economia angolana. Apesar de o artigo pretender explorar o colorido desta espécie de ironia do destino acabava por concluir que os laços afectivos entre os povos de ambos os países eram muito fortes e que os caminhos de ambos sempre se iriam cruzar.

De facto, os mais cínicos poderão dizer que há aproveitamento nesta riqueza imaterial que é o legado jurídico, especialmente agora num quadro de crise em contraste com o bom desempenho económico dos países emergentes. Mas a verdade é que Portugal e as Universidades portuguesas têm igualmente importantes projectos de cooperação com Timor-Leste, Cabo Verde, Moçambique e Guiné-Bissau, países que ainda se defrontam com graves dificuldades a este nível.

Donde serem publicações como a RED que ousam ultrapassar as suas próprias fronteiras temáticas, territoriais, linguísticas e culturais quem pode contribuir decisivamente para o reforço desta ligação secular já tão bem esteada em alicerces jurídicos. E, porque não, com valor económico?